Palavras de Alento

27 de mar. de 2011

Um Sonho

Estava a visitá-lo em um hospital. Não era nenhum daqueles locais em que estive ao seu lado nos longos períodos de internamento. Na verdade não percebi nada ao meu redor, só me lembro dele, sentado numa cama. 
Seu semblante estava tranquilo e a voz serena. A pele, sempre tão alva, contrastava com os cabelos negros e sedosos. Toquei seus cabelos carinhosamente. Estava surpresa e feliz em vê-lo daquele jeito, pois, em vida, a doença  o debilitara muito e a quimioterapia o fizera perder peso e cabelos.
Disse-me que estava se tratando e mostrou-me uma cartela marrom, que mais parecia um relógio, onde os remédios ficavam na posição dos números principais (3,6,9,12).
Foi rápido. Um sonho curto e bom. Acordei naquela madrugada com uma sensação de felicidade tão estranha... uma vontade enorme de que tivesse sido verdade, de que tivéssemos mesmo nos encontrado e eu pudesse ter a certeza de que ele está mesmo bem.

Mal rompe a manhã
E há traços de sol pelo chão
Lembranças e lágrimas
E nos meus lábios
O beijo amargo, a única verdade
Ausência
O que aconteceu depois?
Sua imagem chega como num filme
Passam por mim gestos e fatos...
Como eram seus cabelos, o seu rosto
Cada uma de suas feições?
Uns e Outros - Ausência

23 de mar. de 2011

Visual Cara de Rica (ou cara de pau?)

Eu já critiquei aqui esse famoso site, que sempre traz dicas super  f úteis para a mulherada. A bola da vez hoje é um famoso cabeleireiro, que soltou a pérola que entitula o post. Na chamada para o site, ele dá dicas para qualquer mulher ficar com "cara de rica".
Eu fico aqui a me perguntar se tenho cara de pobre, porque de rica certamente não tenho, sempre sem maquiagem e com os meus cachos em desalinho...
Há alguns anos me rendi às luzes (a maioria aqui me conheceu de cabelos escuros) depois que os fios brancos começaram a pipocar e meus alunos passaram a questionar minha idade. Nada contra os meus três oitão, mas aluno às vezes é tão cruel conosco... elas (sim, as meninas) faziam cara de nojo para os meus fios brancos, então, agora, disfarço-os com luzes quase loiras.
Mas voltando ao tema, a frase do tal cabeleireiro me lembrou um trecho do livro Heróis de Verdade, de Roberto Shinyashiki (também já citado aqui), que diz que, com as pressões da sociedade consumista, as pessoas passaram a comprar artigos falsificados para demonstrar ter o que de fato não tinham. Só que agora parecer ter já não é suficiente, e algumas pessoas passaram a querer parecer ser
E na arte de transformar, de fazer parecer ser, os cabeleireiros se mostram verdadeiros mágicos. Encontramos esses profissionais aos montes por aí: os ditos responsáveis pelo aumento da auto estima de boa parte da população feminina.
Enfim, essa pérola do hairstylist das estrelas, incentiva ainda mais um tipo de comportamento que deteriora o caráter de meninas e jovens, já tão bombardeadas pela ilusão de glamour e felicidade prometida pelo mundo fashion.
Uma pena essa matéria. Mais uma porcaria publicada. Prefiro o livro do Shinyashiki.

18 de mar. de 2011

Aniversário do Babaca

(Antes de iniciar o texto gostaria de explicar que na minha família nos chamamos carinhosamente de "babaca". Na verdade ninguém é babaca, mas como somos intolerantes por natureza, qualquer deslize torna-se imperdoável, por isso, no final das contas, todos são babacas!)

Conheço poucas pessoas que não gostam do próprio aniversário. A maioria de nós acredita que este seja um dia especial, e o vive intensamente, aceitando todos os abraços e mimos oferecidos por quem realmente se importa.
Ele não. E foi assim desde sempre, totalmente avesso a festejos em sua data natalícia. Chegava ao ponto de enfurnar-se em casa, desligar o celular e não atender ao telefone fixo. Ano passado eu fui almoçar com minha irmã e juntas comemoramos o aniversário dele. Uma tia me ligou reclamando: "Como é que pode??? A gente quer desejar coisas boas pra ele!!! Diga que eu liguei, viu...". Eu ria e tentava fazê-la entender isso com bom humor.
Uma vez insisti nessa história e preparei um jantar surpresa. Convidei os amigos mais chegados, os parentes mais próximos e lá ficamos plantados até as 23hs, quando decidimos comer, porque ele não deu as caras. De alguma forma desconfiou do circo armado e foi passar a noite na casa da namorada. Nós jantamos xingando-o com palavrões diversos, mas no dia seguinte lá estava eu a abraçá-lo, reclamando pelo "bolo".
Ele era tão diferente do resto da humanidade, não que fosse de todo bom, tinha lá seus defeitos, como todos nós. Mas passávamos por cima de tudo. 
Hoje não temos lembranças de festas, de brindes ou de farrinhas comemorando seu niver. Talvez isso torne nosso dia menos triste. Terá sido por acaso? Não, não acredito no acaso. Há pessoas que são predestinadas, e nós nem sempre conseguimos interpretar os sinais que nos mandam.
Era especial, não só pra mim, mas pra todos que tiveram a oportunidade de conviver com ele, de conhecer seus posicionamentos inflexíveis, seu gosto refinado, seu olhar firme, que, por mais que tentasse ser durão, transmitia todo amor que sentia por nós.
Foi uma das pessoas que eu mais amei na vida. Aquele amor puro e desinteressado que a gente só dedica mesmo a pessoas pra lá de especiais, sabe...? 
Saudade...
Ele deixou um vazio dentro de mim, que provavelmente ninguém vai preencher.

Até a próxima vez...

PS: Olho pro tempo lá fora e não consigo parar de cantarolar esse trecho da canção de Mayra Andrade:
"Hoje o dia amanheceu tão triste..."

17 de mar. de 2011

Corpos Mutantes - Ensaios sobre novas (d)eficiências corporais

Os comentários abaixo fazem referência a textos do supracitado livro, organizado pelos Professores Doutores Edvaldo Couto (UFBA) e Silvana Goellner (UFRGS), como trabalho de conclusão do módulo 3 - Sujeitos na Contemporaneidade.

Uma Estética para Corpos Mutantes - Edvaldo Couto
Um texto sem dúvida intrigante. Me fascina a forma como Edvaldo escreve e descreve o que, a meu ver, é a grande paranóia da vida moderna, sobretudo para as mulheres (maiores vítimas da influência midiática), que é "ter um corpo perfeito".
Essa situação chega ao extremo no Brasil, país que bate recorde quando se trata de levar pessoas às clínicas de cirurgia plástica.
Como a beleza é algo subjetivo, nem sempre o que se busca na transformação física é o que é belo aos olhos do senso comum. Nos casos dessas pessoas que modelaram e (re)construíram seus corpos, é a satisfação proporcionada pelo próprio processo de modificação, que as leva tantas vezes a recorrer ao bisturi.
Mais que uma obsessão pela saúde, o culto ao corpo passou a ser um grande gerador de neuroses, numa busca desenfreada pela perfeição e pelo prolongamento de uma juventude que, naturalmente, não poderá se eternizar. Na verdade uma corrida contra os efeitos do tempo e pelo adiamento da morte, numa tentativa vã de driblar a finitude do ser.


Os Percursos do Corpo na Cultura Contemporânea - Malu Fontes
Este artigo versa sobre as dificuldades encontradas por mulheres deficientes em conviver com as cobranças  impostas pela sociedade contemporânea, pelo fato de não se enquadrarem no modelo de corporeidade feminina idealizada pelo mundo ocidental.
A autora focaliza a mídia como perversa e causadora de angústias, por criar padrões de beleza (quase) inatingíveis. O corpo feminino que outrora esteve escondido e tido como objeto de vergonha e pecado, hoje, superexposto, transformou-se em fonte de inspiração e cobiça, tornou-se moeda e produto comercializável e rentável para os mais diversos tipos de consumo. 
Contrapondo-se a esse corpo canônico, estão os corpos dissonantes dos deficientes físicos, causadores de repulsa e frequentemente rejeitados pela cultura de massa. Essas dissonâncias só são dignas de algum valor quando expostos à espetacularização e bizarrice, numa sociedade em que a exibição do que é tido como perfeito e belo está enraizada na própria cultura. 


Velhice, palavra quase proibida; Terceira idade, expressão quase hegemônica - Anamaria da Rocha Jatobá Palacios
O texto discute a substituição da palavra “velhice”,entendida como politicamente incorreta,  pelo termo “3ª idade”,  introduzido pela indústria cosmética e pela mídia, na tentativa de sublimar um processo natural .
A autora focaliza uma visão conflitante de velhice, vista como uma fase sombria da vida, que, conforme preconiza o discurso das propagandas de cosméticos, deve ser evitada com o uso de produtos de beleza. Em contrapartida, o termo 3ª idade é utilizado para aludir à uma vida saudável e ao prolongamento da aparência jovem.
A indústria cosmética passou a produzir cremes anti envelhecimento para mulheres na casa dos 20 anos, sob o argumento de que os cuidados com a pele devem começar cada vez mais cedo.  A velhice deve vir acompanhada da busca pela conservação da juventude.
A publicidade coloca os cosméticos como produtos indispensáveis à aquisição de um estilo de vida pleno para a 3ª idade. Ao mesmo tempo em que retrata o que se passa numa sociedade, também a influencia, fortalecendo paradigmas que provavelmente serão mudados.

Corpus ex Machina: Contatos imediatos porque mediados - Mara Ambrosina de Oliveira Vargas e Dagmar Elisabeth Estermann Meyer
Uma história contada em três versões, relatando um fato (que deve ser) corriqueiro numa UTI, uma PRC (parada cardiorespiratória), é o ponto de partida para o texto de Meyer e Vargas. Focalizando a capacitação técnica dos profissionais que trabalham prestando atendimento a pacientes em hospitais e UTI móveis, o texto mostra como cada envolvido precisa estar apto a desenvolver os procedimentos de RCR (reanimação cardiorespiratória) de forma dinâmica e competente, em pouquíssimo tempo.
A equipe de atendimento avançado é treinada e avaliada constantemente para trabalhar sob estresse, com agilidade e competência, de modo que exerçam os procedimentos de forma (quase) robotizada.  
As etapas de cada procedimento deixam claro que profissionais inaptos não podem exercer a função. Os protocolos descrevem passo a passo, numa linguagem técnica própria, as etapas do procedimento, de forma a se cumprirem as normas do procedimento.
Enfermeiras intensivistas concebem o corpo/paciente como um sistema tecnológico high tech, e elas mesmas são comparadas a ciborgues, por estarem cercadas de toda sorte de aparato tecnológico. Essas máquinas servem para gerar informações que permitem o que as autoras chamam de “contatos imediatos porque mediados”.
As enfermeiras intensivistas são figuras robotizadas, fruto da cultura ciborgue das UTIs, que usam programas, interagem com sua interface e por isso, parecem fundir-se à máquina, porque precisam estar em composição com ela, corporificando tecnologia.
A grande questão a se discutir é até que ponto pode ser positivo para o ser humano estar imbricado dessa forma com máquinas.

12 de mar. de 2011

Um Menino Bento

Hoje faz 3 anos que ele veio ao mundo. Um ser humano ímpar, capaz de mudar a vida de duas pessoas que possuíam concepções totalmente contrárias sobre ter filhos.

Bento mudou minha vida, tornou-me um ser humano mais humano, mais forte e, contraditoriamente, mais sensível.

Ele é como uma estrela brilhando na noite escura que tem sido a minha vida, um sol enchendo a minha existência de luz e calor.
É o dono de um sorriso puro capaz de me fazer esquecer tudo, e de um cheiro tão especial, que me faz querer ficar grudada nele a vida toda;
Uma pessoa pequena, que manda em mim, e me impulsiona a querer ser mais e melhor.

Minha alegria, meu cansaço...

Obrigada, meu filho, por ser o meu norte.
Pela força que eu tiro não sei de onde, quando penso no quanto você ainda precisa de sua mãe. Pela sua companhia e pela infinitude desse amor que eu descobri com/em você.

Obrigada Deus, por esse presente.

10 de mar. de 2011

A história secreta da Mulher Só e do Homem Sem Tempo

Capítulo XXII

Ele telefonou-lhe naquele mesmo dia, já tarde da noite. Sua voz denotava satisfação e contentamento. Ela, por sua vez, não cabia em si de tanta alegria. O sorriso que estampara seu rosto naquela tarde de quarta-feira teimava em não desaparecer. Ele percebia a animação em seu tom de voz. 
Conversaram com intimidade, ele revelou o quanto havia gostado de tê-la beijado e sobre como sentiu dificuldade em concentrar-se ao retornar ao congresso. Seus pensamentos estavam totalmente distante de tudo que não dissesse respeito a ela, por isso queria reencontrá-la.
- Será que vale a pena?
- Não tenho dúvida alguma quanto a isso.
O conflito entre medo e desejo que sentia quando o assunto girava em torno deles, tomou conta dela novamente. Evidente que queria revê-lo, sua boca ainda guardava o gosto do beijo que trocaram naquela tarde. No fundo sabia que havia gostado de brincar com o perigo.
- Poderíamos almoçar juntos outra vez... – ela sugeriu - ... ou jantar, quem sabe...
- Ou tomar um café da manhã! – ele completou, rindo maliciosamente.
Ela riu também, mas fez-se de desentendida:
- Não sei se consigo chegar em Lisboa tão cedo...
- Não precisas chegar, se já estiveres aqui!
Riram juntos de novo e combinaram o café da manhã no Tivoli, na sexta-feira.
Para isso ela teria que dormir em Lisboa. Mas onde...?




To be Continued

6 de mar. de 2011

Um Jogo Chamado Vida (ou os momentos em que nossa vontade foge totalmente do nosso controle)

O sonho (ou como compreender os avisos que recebemos):
Ele estava no carro comigo, iria viajar e eu o levaria ao aeroporto. Quando vi os aviões, sabia que ele estaria no maior de todos e temia por se tratar de uma companhia aérea desconhecida. Perguntei se estava levando a carteirinha do plano de saúde. Respondeu que sim, mas mostrou-se preocupado com uma fatura vencida, ainda em aberto.

- Não se preocupe, assim que sair daqui, eu pago isso pra você!

E ele se foi.

A minha leitura
(ou como interpretamos sinais equivocadamente):
Achei que eu fosse estar do lado dele na hora de sua partida. Inconscientemente tentei me preparar para vê-lo morrer. Forcei-me a ser forte e permaneci ao lado dele o máximo que pude.

Apenas mais um dia
(ou sobre como achamos que somos nós quem modificamos as coisas):
Eu e sua esposa o visitamos pela manhã, como vínhamos fazendo nos últimos dias. De lá, ela iria à casa de minha irmã. Não sei porque cargas d'água consegui dissuadí-la dessa ideia.
- Vá no final da tarde, após a próxima visita.
E ela assim o fez. Foi pra casa e de tardezinha rumou para visistar a cunhada e a sogra.

A hora da partida (ou a solidão que nos acompanha na hora do fim)
Fiquei em casa estudando a tarde inteira, após as 17:30 minha cabeça começou a doer, e eu deixei os livros de lado. Mas um desassossego me tomou, então comecei a procurar o que fazer, arrumando coisinhas que estavam fora do lugar. Até que deitei pra ver se a dor de cabeça passava. Não lembro se passou, só sei que comecei a chorar, pensando nele.
Nesse momento, enquanto ele dava o último suspiro, sua mãe, sua esposa e sua irmã mais nova estavam juntas. E eu, sozinha, pensando nele, sozinho.

Momentos finais (ou como as peças do jogo se encaixam):
A mãe desmaiou, a esposa fraquejou e a irmã mais nova se viu impossibilitada de afastar-se do seu recém nascido. E ali estava eu, sem elas, num cemitério, levando-o para a sua última viagem.

1 de mar. de 2011

Sobre o Mundo lá Fora...

Quem nunca se viu obrigado a conviver com uma grave doença de perto (seja em si mesmo ou em alguém próximo) não pode calcular o quanto as paredes brancas de um hospital são frias, o quanto a espera do horário de visitas é angustiante, e o quanto um desfecho pode ser torturante.
Sim, está difícil, está quase insuportável. Pasmem: Patrícia não é de ferro!
Lá fora os dias passam, as aulas recomeçaram, o verão está acabando, e finalmente o carnaval chegou. E com ele vem todas as modificações no trânsito (que só quem mora no circuito sofre) e a alteração no humor das pessoas: Um estado de ansiedade feliz paira no ar, nos rostos, nas falas... E eu percebo isso e vou assimilando com o coração gelado, sem vontade de fazer nada, sentindo apenas uma necessidade enorme de disfarçar o que está por dentro, de fingir que está tudo bem, para não contaminar o universo ao meu redor com a tristeza que tomou conta do meu ser.
Alguns me perguntam: "Como você consegue ir trabalhar?". E adianta não ir? Além do mais, faz parte do disfarce: Eu finjo que está tudo sob controle, que nada de mal vai acontecer (mais) e sigo vivendo.
Hoje senti o cheiro da UTI às doze badaladas do relógio. Era o perfume(?) do sabonete líquido do restaurante onde eu fui almoçar. Ou seria o universo querendo me lembrar que eu não posso fingir que está tudo bem o tempo todo...?

PS: Perdoem a dureza das palavras e o baixo astral do blog ultimamente. Aproveitem o carnaval de vocês, porque a vida é breve!
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