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(Leitores assíduos desse blog, perdoem a melancolia, mas o segundo dia do mês ficou tristemente marcado em meu calendário, e não há como não desabafar aqui sobre a imensa saudade que sinto dessa pessoa que passou a sua breve existência ao meu lado.)
Olho para trás e te vejo em todos os momentos da minha vida.
Nas brincadeiras e travessuras da infância, eu, que sempre convivi mais com meninos do que com meninas, queria fazer tudo como ele: subir em árvore, jogar futebol na rua e até brigar com os moleques. Também o protegia das brigas com garotos maiores e dos castigos e surras em casa. Várias vezes assumi erros que ele tinha cometido, porque conhecia o peso da severidade de meu pai quando precisava "educar" meu irmão.
Nos vejo adolescentes, com a nossa cumplicidade tão invejada. Ouço minha voz chamando-o de "Amor" e sendo imitada por mainha, por Jea, por Milly, que riam da minha forma de tratá-lo.
Num tempo de rebeldia e rudeza, alguns amigos, espantados, diziam: "Essa garota é apaixonada pelo irmão!". E era mesmo. Ele era a personificação do amor na sua forma mais pura.
Fomos responsáveis por uma mudança de postura dentro da nossa família, porque começamos a demonstrar esse amor, contagiando a todos. Nossa geração aprendeu a assumir o amor que sentia sem medo e sem reservas. Hoje nossa família é diferente, graças a isso, graças a ele, que era um ponto em comum, amado e admirado por todos.
Posso vê-lo implicando com
Toni, meu primeiro namorado, por puro ciúme de irmão protetor. Implicância essa que ele teve de superar, quando namorou com Jamile, irmã de Toni. A partir daí eu passei a escolher suas namoradas a dedo, e coitadas daquelas que não fizessem parte do meu restrito rol de amigas...
Vejo você sob o sol dos verões em Berlinque, nas bebedeiras com a galera, fumando os primeiros cigarros escondidos, nos shows do Ira e Legião Urbana. Posso te ouvir tocando violão no quarto ao acordar, naquelas tardes na orla ou nas festinhas da casa de Érica...
Te vejo lindo, como costumava chamá-lo, alto, alvo, com seu topete, suas roupas estilosas, seu sorriso de canto de boca, seu olhar de desdém...
Já adulta, tomei consciência de que era preciso me afastar um pouco e deixá-lo viver seus relacionamentos. Eu era o tipo de irmã que sufocava, de tanto amor. Deixei-o namorar em paz, longe das minhas influências e das minhas críticas. E assim pude vê-lo transformar-se num homem inteligente, bem humorado, de difícil convivência, mas capaz de amar e ser fiel à mulher escolhida.
Vejo-o na cozinha, detalhista e exigente, preparando o almoço delicioso que degustaríamos em seguida, nos rasgando em elogios, porque suas qualidades sempre foram valorizadas por nós todos. Vejo-te com meu filho nos braços, brincando, ensinando-o a tocar bateria, divertindo-se com cada novidade apresentada pelo pequeno. E ainda assim, dizendo que não teria filhos, deixando a todos intrigados por sabermos da sua adoração por crianças.
Agora vejo o triste fim da história bonita de um garoto travesso, que se transformou num lindo rapaz, depois num homem admirado, que foi acometido por uma doença estúpida e nos deixou apenas fotografias e um vazio imenso, uma saudade mordaz. Sua ausência me traz a certeza de que esta vida é mesmo só uma passagem ingrata, da qual não podemos nos furtar.
Vejo você em breve, Amor!